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Caneca de Letras

09.10.20

 

 

 

 

 

As minhas palavras foram, desde cedo, entrelaçadas aos grandes poetas, àqueles que puseram em palavras os sentidos maiores desses temores que nos perseguem...

A todos.

Desde pequeno que fui apresentado a este sentimento maior que nos estrangula e deixa sedentos, que nos abraça e liberta, nos ensina a viver e reviver pelos trilhos da dimensão Humana.

Nessa ânsia de caminhar, leia-se escrever, ler, fui tropeçando na boçalidade que amiúde saltava dos ignorantes com quem me fui cruzando mas também ressaltando daqueles que me deram a mão, me ensinaram a olhar e escutar, soletrando as suas ideias, sussurrando as questões que perturbavam os dogmas instalados...

Desses, os últimos, fui bebendo, retirando o melhor, em prosa, em verso, nas intermináveis poesias que simbolizavam os enigmas escondidos nas esquinas da alma.

Tenho medos e anseios, saudades imperfeitas em perfeitas e solitárias vontades...

Como admiro Pessoa, na sua pequenez agigantada, Cazuza, na sua irreverente vontade de viver que inevitavelmente o guiou até ao imberbe fim de seus dias, Drummond de Andrade, na gentil forma de ser intemporal, Vinicius, nesse copo de Whisky que ainda tilinta nos mais requintados bares de Copacabana, Camões, pelo singelo facto de ser na sua pena que se amarra cada parte dessa descoberta constante de um imenso Povo...

O nosso.

Na Carta a Dani, onde Cazuza escreve as primeiras palavras após ter assumido a sua doença, essa que naqueles dias certificava o fim mais cruel desde o tempo da lepra, se pode sentir a corajosa coragem, a repetição por vezes faz sentido, podendo encontrar o verdadeiro sentido de um poema...

Despido, real, mais além do que qualquer retrato.

Coragem, Humano, de uma dimensão escassa, singela...

Cazuza escreveu um dia:

"Que morrer não dói"

Mas dói a insensibilidade destes tempos desumanos, bem explicita na encíclica papal Fratelli Tutti, onde o Papa Francisco cita Vinicius de Moraes.

E se na divina palavra de um Papa cabe um trecho do "Samba da Benção"...

"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida"

Talvez seja a hora de em cada parte de nossas vidas conseguirmos olhar para o outro, para cada verso de nossos dias, com a fraterna expressão de um poeta.

Sem receio de amar.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

07.04.17

 

E se Pessoa pudesse voltar;

E cantasse Vinicius para começar,

E trocasse Vinicius o escrevinhar,

Pela cozinha molecular,

Tendo Drummond a o ajudar,

Simplesmente a confeccionar,

Uma feijoada como manjar,

E ao fundo Camões a trautear,

Uma canção de encantar,

Em cada letra um salivar,

Incitando o paladar,

Numa estranha forma de amar,

Essa cultura a deliciar,

Cada ouvido que ali pudesse estar...

 

Como seria bom;

Tê-los todos juntos,

A poetizar.

 

 

 

07.02.17

 

Estes dias temos visto o rosto de um Brasil, que entristece, assusta, enfim demonstra a agonia em que se encontra, este extraordinário país.

As imagens que todos os dias nos chegam, sinalizam a anarquia vigente no estado do Espírito Santo, em particular na capital Vitória,  demonstrando um horror incalculável, mas acima de tudo, uma impotência absolutamente indiscritível para quem naquele local habita...

Como se pode compreender todo um sistema policial, que deve proteger milhões de pessoas, se torne inoperante, inexistente, em direto, ao vivo, deixando as ruas se tornarem numa lotaria, numa arena para o crime organizado, para o terror desgovernado semear o pânico perante os cidadãos inocentes que se veem envolvidos neste turbilhão de assaltos e mortes.

Em quatro dias, pelo menos 62 mortos e milhares de saques, em ruas, lojas, autocarros, que entretanto pararam de circular...

Escolas e universidades fechadas, pessoas trancadas em suas casas, pedindo aos Deuses que ninguém lhes roube o direito de viver, tudo filmado e transmitido para o mundo, perante a estupefacção de todos aqueles que de fora assistem incrédulos a este cenário dantesco.

O Brasil é há muito vitima de uma desmedida corrupção, inerente à sua elite política, desde Collor a Lula, de Temer a Cunha, desde o Mensalão ao Lava Jato, formada por gente sem escrúpulos, sem a noção do bem público ou do bem estar geral, permitindo que este regime brasileiro se transformasse neste saco de gatos sem pudor ou vergonha.

A política brasileira está podre, desgraçadamente sem soluções, sem esperança e isso leva a um imenso sentido de impunidade que gera essa revolta constante, que se vê nas cadeias e nas ruas, nos polícias e deputados, sobrecarregando assim, o cidadão comum, aprisionado a este paradigma de um país perdido...

O Brasil que nos envolve a alma, finta como Péle ou Garrincha, canta como Caetano ou Betânia, representa como Lima Duarte ou Bibi Ferreira, encanta como Elis Regina ou Roberto Carlos, compõe como Carlos Drummond de Andrade ou Vinicius de Moraes, amarra-nos às gargalhadas de Jô Soares, à voz de Martinho da Vila ou Chico Buarque, à beleza de Luanna Piovanni.

Este é o Brasil dos meus sonhos, tão pouco representado neste triste espetáculo que insiste em prevalecer, por entre o sol e o carnaval que celebrizam as terras de Vera Cruz.

Ao ver aquelas imagens lembrei-me do enorme Cazuza e desta música, celebrizada no genérico da novela Vale Tudo, e que tanto representou para aquele momento, na vida desse imenso Brasil...

Parece que voltámos atrás no tempo, retrocedendo quase 40 anos, até ao grito de revolta, plasmado na voz desse intemporal intérprete:

"Não me elegeram para chefe de nada, O meu cartão de crédito é uma navalha, Brasil mostra a tua cara, Quero ver quem paga para a gente ficar assim"

"Brasil, qual é o teu negócio, O nome do teu sócio, confia em mim"

Diante deste percurso torto, enviesado, construido ao longo de tantas décadas, está na hora de voltar a ouvir Cazuza e encontrar por fim, um caminho que permita a este Brasil mostrar a sua verdadeira cara, aquela que está escondida por debaixo de tamanha corrupção.

Brasil, não tenhas medo, de mostrar a tua cara! 

 

 

Filipe vaz Correia

 

 

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