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Caneca de Letras

29.03.22

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Busco nas mais imperfeitas coisas pedaços da perdida perfeição, contos e poemas que possam dar um sentido àquilo que se questiona, às coisas mundanas e sacras, desconhecimentos por refletir.

Nas mais sentidas dores, desilusões, aumentam as questões, aqueles momentos de tormento em que tudo parece findar na mais rebuscada interrogação.

Sei lá para onde caminho, tantas vezes grita a alma, carregada de receios e medos, chão que foge sem parar nesse amor que desvaneceu...

As ilhas rodeadas de mar, isoladas de terra e calor, tão sós na imensidão de mundo, sem ninguém para abraçar, é assim que me sinto, vezes sem conta, nas mais frias noites, nas mais infindáveis prosas da minha imaginação.

A poesia salvou-me tantas vezes, nesse desabafo que passa para o papel, como num salto sem rede de uma qualquer ponte impiedosa, de um penhasco de dores pinceladas por séculos de grito.

Palavras soltas que se juntam por vontade própria, quase como um puzzle que se constrói por si mesmo, sem pedir autorização.

Vejo a dor plasmada em imagens, de Tróia a Cartago, das ruas de Kiev às grutas de Damasco, do sangue na Somália aos campos de concentração na Chéchenia, de Alcácer Quibir ao palácio de Nabucodonosor...

Tamanhas mágoas de ódio e amor, tecendo entre teias de lágrimas o pensamento humano, desespero de desencontros que se forjam no tempo.

Sei lá...

Quantas vidas terei, teremos?

Quantos erros iremos repetir?

Quantas vezes amar será apenas esse gesto inebriado de um fim que se aproxima...

Seria fácil desistir, não tentar mais, percorrer o caminho mundano sem expectativas de encontrar o outro, transformando o impulso carnal nesse desvanecer que se entrega sem compromisso, sem expectativa da contracena.

Mas para almas velhas, aquelas que persistem em regressar, os sofrimentos do sentimento obrigatoriamente se transformarão nesse entregar sem fim, repetindo em cada vida esse abraço, pequeno retrato do regaço que impele o coração, vezes sem conta, a gritar...

Será que Alexandre reencontrou Heféstion, Romeu reencontrou Julieta, Pedro reencontrou Inês ou aquela Mãe reencontrou aquele filho, queimados nas ruínas de Pompeia?

Será?

Será que a roda do destino nos impele a continuar mesmo que nessa busca por reencontros possamos cruzar a nossa caminhada com os nadas que ecoam e magoam, com o vazio que se disfarça de sentir para esmagar ainda mais essa saudade que reconhecemos sem saber...

Perdidos em melodias vamos intervalando a vida e o seu sentido com o rebuliço quotidiano, com os pequenos intervalos de um filme, respirando sofregamente pelo momento principal, pelo epílogo que se aproxima de mansinho.

Apagam-se as luzes...

Novo acto, novas cenas, nova vida...

E continuamos a correr.

 

 

Filipe Vaz Correia

10.06.21

 

 

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Subi montanhas, inimagináveis montanhas, presas aos sonhos inacabados de outrora, aos arrependimentos de agora, às promessas caídas, hesitantes e feridas, a tantos desvelos, em incertos novelos, transbordando de querer...

Subi montanhas, essas tamanhas, onde se escondem tacanhas, as amarguras de uma vida.

Montanhas...

Montanhas agrestes, epidemias e pestes, marcando as vestes de um singelo abandonado.

Já não sobram as marcas, das arranhadelas tortuosas, lágrimas salgadas, palavras sinuosas, de enganos e reparos, esquecidos ao vento, pesado arrependimento, que jamais se repara.

O tempo passa, as escolhas precisas, as mágoas se escapam, por entre, armadilhas vazias, nessa imensidão de esperança que cede lugar ao entediante percurso marcado no trilho de Deus.

Olho para trás...

Bem ao longe...

Buscando as silhuetas de mim, dos meus, dos outros...

Olho para trás...

Para a frente...

Nessa presença, presente, que insiste em se fazer sentir.

Subi montanhas...

Subo montanhas...

Esperando no cimo de todas elas, encontrar esse almejado paraíso que tantas vezes sonhei e encontradamente desencontrar as incertas certezas que temerosamente, por vezes, me invadem.

Subi montanhas...

Para te reencontrar.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

15.05.21

 

 

 

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Sei lá para onde caminho, nesse campo estreitinho, reduzida forma de reluzir a desesperança que se abeira do ninho, da estrada, despida empoleirada na beira do Ganges. Pouco ou nada sobra desse recital de piano, teclas e mais teclas em contraponto com o vento que se assoma, soma e subtrai no vaguear de almas prestes a chegar. Queira Deus que a orquestra tenha a vitalidade de um sopro, que o destino se desencontre com as nuvens, que as lágrimas se apressem a secar e o amor... ai o amor que reluz e contorce, que se disfarça e abraça, amassa e amarra, confunde e separa. Tantas palavras numa mistura de certezas, questões impertinentes que ameaçam a pertinência, num segundo continência, noutro incontinência como um compulsivo chorrilho de ideias, incontinentes ideias que arrogam o tupete de existir. Já não tocam os poetas, já não choram as marionetas, já não se prantam as inquietas querenças da antiguidade. Para onde foram os heróis? Onde se escondem os inexpugnáveis? Para onde foram as prometidas Odes à tamanha vontade de sonhar? Nada faz sentido, tudo é sentido, nada é imutável, tudo se dilui, assim caminha o tempo na infindável e indiscutível crueldade do seu compasso, deslizando silenciosamente como nada fosse, por entre... nós, pequenos pedaços de coisa alguma. Pouco importa a sorridente esperança, somente importa a louca vontade de amar. Pois o amor é a única coisa que nos liga ao divino.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

 

 

 

06.05.21

 

 

 

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A lareira acesa...

A noite que cairia e eu ali sentado, no mesmo sitio de sempre, por entre, o infinito vazio.

Esse vazio que respira e se faz sentir, nesta casa outrora repleta de gritos e movimentos, de calor humano e alegria.

Ainda aqui estou...

Só.

A velha manta ao meu colo, repleta de buracos de cinza ardida, destes cigarros que continuam a ser o laço que me une a esse passado.

O copo de Whisky a meu lado...

A luz do candeeiro, o rádio ligado enquanto as mãos me tremem, tremendo cada vez mais.

Como passou tão depressa...

Como passou?

Oiço as mesmas canções, melodias que significaram tanto, tamanho querer que desvaneceu.

Os meus olhos cansados já não conseguem discernir as letras do jornal sem a ajuda de uma lupa, para me manter informado das novas que o mundo tem para contar, esse mundo que tanto mudou, se transformou, radicalmente se transmutou.

Faltam-me as forças, aquelas que antigamente me sobravam, num entrelaçado enigma em que se pincelou a minha vida.

Foram ficando para trás todos os momentos, rostos e pensamentos, até sobrar este nada que tanto significa, tanto abrange, tanto me sufoca.

É a ele, este nada, que me agarro com todas as forças para viver, num desconexo, incompreensível e inexplicável querer.

O meu coração já não pulsa, somente soluça, aqui e acolá enganado por uma ou outra pastilha receitada pelo Senhor Doutor...

Doutor?

Agora são todos “Doutores”...

Desde a empregada doméstica até ao moço dos jornais.

Não percebo nada deste mundo...

Aqui estou rodeado de retratos e rostos, feridas abertas em meu peito, dores e aflições que chegam e partem silenciosamente.

Já vos perdi, sem nunca me ter apercebido de vos ter tido...

Era tudo tão corrido, mesmo os jantares, mesas repletas, nessa azáfama que desassombradamente me escapou.

A lareira acesa...

Tenho tanto frio, tanto sono, tanto medo.

Já não sei escrever nem decorar o saber, perdido que me encontro neste labirinto de emoções que me persegue.

Para onde foram os amigos?

Os filhos?

E tu meu amor...

Para onde foste?

Todos partiram para esse lugar incerto, tantas vezes explanado na fé, essa que me foi abandonando à medida que só me encontrava, nesse desabitado coração meu...

Estou solitariamente entregue a este refúgio, nesta sala, neste museu de relíquias minhas, empoeiradas e amordaçadamente sombrias.

Estou só...

À espera de partir, de finalmente sentir esse encontro prometido na infinita sabedoria de Deus.

Deus?

Só espero que também Tu, não me tenhas abandonado...

Deus Meu.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

05.05.21

 

 

 

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Mar acima, mar adentro, na minha jangada de pedra, no meio dessa imensidão de água, azul cristalino que me rodeia, num horizonte longínquo, sem fim.

Na minha jangada de pedra, navego por esse mundo a fora, numa viagem sem fim, por entre o que desconheço, sabendo somente que dentro de minha alma, pulsa a curiosa, curiosidade, de um solitário rapazinho.

Nessa solidão, onde me encontro, nascem e renascem fantasmas e animais, gigantes animais, que submersos aguardam por um instante para se revelarem, desnudarem a face e surgirem como um cabo das tormentas, numa sinuosa vertigem, inesperada.

Continuo a remar, sem olhar para trás, fixamente querendo flutuar sobre as águas, gélidas e ameaçadoras, buscando uma razão para interligar o sentir ao querer, o desejar ao temer, o recordar ao viver...

Sempre navegando, sempre continuando.

No meio desse interminável querer, enfrento medos e receios, perco pedaços de um passado desconhecido, meio perdido, por entre, as lágrimas de outrora...

Lágrimas que se foram embora, antes que delas me pudesse recordar, antes que essa parte de mim, escapasse da razão e partisse juntamente com a emocionada emoção de uma criança.

Eu sei lá, se continuarei a percorrer as águas da imaginação ou se nunca mais irei acordar de tamanho pesadelo, pesado desvelo que me amarra sem calar, que me afoga sem nadar, que se entrelaça numa singela jangada de pedra.

Num momento, tão pequeno, ali estou...

Num outro, tão velho, ali me encontro.

Passou, tudo passou, sem rasuras, sem retornos, sem regressões.

Numa jangada de pedra, comigo levo os livros de minha vida, capítulos sem fim do que vivi, por entre, romance e drama, comédia e ficção, desabafos soletrados que me pertencem.

São os livros de minha vida, contando a minha vida, flutuando nessa jangada de pedra...

Numa jangada de pedra.

Na minha jangada de pedra!

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

04.05.21

 

 

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Escrever, escrever, escrever, regurgitar o que na alma vai, minha, tua, das tamanhas solidões que se desencontram nas ruas, despidas e cruas, para sempre caladas por entre as cerradas janelas da vida. Nada pode ser mais sentido do que esse vazio colectivo, o sentir superficial do demasiado, sem que nada seja completo, intensamente fechado num ciclo bastante, agonizante e turbulento. Um quadro esborratado de todas as cores, tamanhas, misturadas na complexidão do exaustivamente quantitativo, sem que dele transborde nada, sumo, sequência. A exactidão perfeita da imperfeição, fraca e incompleta, que se afigura de somenos. Esse foi sempre o medo maior... a ausente sensação de sentir. Desse mal não sofro, sendo que de tantos outros me confesso, na exacta precisão de minhas fraquezas, diminuídas formas de querença. Respiro intensamente, de forma primeira e inteira, como se fosse ela a derradeira, tudo de uma vez. Caminho seguro na beira do passeio, equilibrando os sentidos, na beira desse abismo que me consome. Caio ou não caio... não importa, pouco importa, desde que vivido por dentro, pulsando a alma nessa confusa mistura de tempos. Para tantos o caminho se faz caminhando, trilhando espaços e palcos, pincelados uma e outra vez, numa repetida "História" de encantar. Porque não? Ou... Porque sim? Sei lá. O quadro vazio, demasiadamente vazio oferece sempre a oportunidade de nova imagem, novo desenho, novo e intenso sonhar... num novo dia, num novo querer que por vezes magoa, até esventra se o ardor for tamanho, mas sempre permitirá sentir de forma única, como se aquele sentimento fosse intemporalmente verdadeiro... verdadeiramente intemporal. E isso é que torna  belo o Olimpo. Nem todos o saberão, nem mesmo aqueles que o julgam saber, por vezes, talvez acreditem se recordar, mas nas asas das nuvens, desse Olimpo de poucos, sobrará, longuiquamente, pedaços de sorrisos, desfeitos, daqueles que ousaram tentar. Despojos ardentes de dores e feridas, de tantos... nesse caminho imperfeito ousarei continuar a buscar essa perfeição perdida no templo de Zeus.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

23.04.21

 

 

 

Escrever...

Escrever sem parar, nessa incansável busca pela escrita perfeita, não ortograficamente, mas sim desse querer maior de uma insanável insanidade que se perde, por entre, a desesperança pueril de um conto.

Não tenho palavras nem amorfas melodias, somente desespero e sentimentos, nesse entrelaçar de letras, misturadamente sentidas até ao infinito, infinitamente curiosas.

Queria tanto contar o peso de cada palavra, as sentidas e as fingidas, as correctas e as politicamente incorrectas, mas que nesse alucinado debitar de pensamentos se perdem no peso de cada uma, de todas elas.

Nem sabedoria nem desconhecimento, somente uma folha em branco, desnudada como uma bela mulher, ali deitada, aguardando o seu amante, nesse amor que se promete sem palavras, sem amarras, sem promessas ou amanhãs...

Naquele instante, precioso instante de um amor em ferida, se sobrepõem os beijos, a pele, o bater da alma...

Assim como as palavras, as belas e entrelaçadas palavras que compõem um orgasmático poema, rebelde, livre, disperso no pensamento ou na forma.

O que importam as regras se o que sobra é a força desse querer desgarrado que se recorda, desse cheiro que fica e se mantém pelo tempo, no tempo, para sempre no tempo...

O cheiro da cama, do corpo, o sabor de cada partícula de um amor que não respeita nada para além do olhar, nosso, intemporal.

Escrever...

Escrever sem parar, de forma crua, desnuda, singelamente pura...

Como sempre, para sempre...

Teu.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

16.04.21

 

 

 

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Diz-me o que vês, sem medo de sentir, sem receio de querer, sem nada a temer, como se nada importasse ou nenhum vislumbre de temor ganhasse cor, por entre, o céu azul despido que se impõe no horizonte.

Diz-me...

Palavras que ganham força na expressão ensaiada, sem barreiras, artimanhas, arte e manhas, contradição constante que se aprisiona no fundo do sentir inquieto, desse inquietante sentir que amolga e esventra, grita e ensurdece, se perde e se esquece.

Nas entrelinhas, entre copos, vão ganhando vida as pinceladas de cada passo, pegadas, marcadas na caminhada, por essa entrelaçada estrada sem sentido...

Tamanhos sentidos num vai e vem que confunde mas amarra, descobre e aperta, seduz e apega.

Beijos em nuvens, sorrisos em ondas, vagas de abraços no meio de sonhos, peças perdidas que se atrevem a contar pequenas partes não vividas, pedaços de mim que não esqueci, não sabendo que já vivera.

Sabes lá...

Na expressão maior de um conto, vão escorrendo pelo rosto lágrimas que não sabia me pertencerem, mágoas despidas que não sabia feridas, amarguras de inéditas aventuras que julgava pertencerem a outro olhar, num outro lugar, sem medo de amar, sem receio de voltar, de voltar a mergulhar nesse mar...

Que afinal também me pertence.

Ruas e ruelas, estranhas vielas, doces encontros com sabor a canela que marcam eternamente a solitária pena que vos escreve.

Diz-me só mais uma vez, onde se perdeu cada vírgula desta história que regressa a mim, em mim, de ti.

Diz-me se será amor esta espécie de odor que me invade em cada sonho, a cada  desgosto medonho que sorri do outro lado do querer.

Tantas coisas para dizer, por dizer, que querendo dizer permanecerão nessas entrelinhas que se tornaram sua casa...

Pedaço de asa onde, por vezes, se atreve a voar.

Diz-me então se sabes voar, pequeno, retrato de outrora.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

26.02.21

 

 

 

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A vida é misteriosa, assim como, misteriosa é por vezes esta imensa vontade de aqui escrever.

Em desabafar palavras que se seguram, sentimentos que ouso guardar em mim, para mim.

Enfim...

Só em mim.

Tenho dias em que penso mais nas despedidas que tive com aqueles que me marcaram...

Tem dias assim.

Por razões e desatinos, recordo vezes sem conta Minha Mãe e aquele sorriso que me acalentava, aquecia, trazia esse imenso amor que só ela me sabia dar.

Nada se compara a essa expressão maior...

Nada!

Um amor maior do que a extensa dimensão de um texto, do que a densidade descrita numa singela poesia, do que a incessante  busca por um encontro entre o pensamento e a palavra.

Foi através de minha Mãe que herdei este gosto pela escrita, pela forma poética de expressar o que dentro da alma habita, seja em grito, em sussurro ou simplesmente em silêncio...

Num silencioso desejo de desabafar.

Tem dias em que a tristeza é maior, tem dias que não...

Tem dias em que me recordo mais desse instante final, outros dias em que tudo me traz o brilho que sempre subsistiu em seu olhar.

Tem dias em que se esconde  a um canto, essa tristeza, sempre presente mas que se fingindo ausente, vai deixando a alegria voltar, o sorriso permanecer maior...

Tem dias que não, que essa tristeza se agiganta, volta a ser maior do que o bater da alma, regressando a dor, a invasiva e esmagadora dor.

Tem dias assim...

Mas no meio desses dias, pego numa caneta ou ligo o computador e aqui desabafo umas linhas, perco-me neste pedaço de mim.

Tem dias que sim...

Tem dias que não.

Mas essencialmente sobra a memória, a recordação constante de tantos e tantos dias passados, indescritíveis dias que trazem consigo a imensa certeza...

De que valeu a pena.

Valeu sempre a pena, minha querida Mãe.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

25.11.20

 

 

 

Estou sentado no mesmo cadeirão do meu pai...

Do meu avô...

Do meu bisavô.

Estou sentado na mesma sala de estar, com as mesmas janelas, com os mesmos quadros, com a mesma lareira acesa que há tantas gerações, acompanha os destinos da minha família...

Esta casa outrora cheia de vida, de luz, de histórias, onde revejo a correr os antepassados que não cheguei a conhecer, os filhos que tantas alegrias me trouxeram, as noites estreladas que iluminavam o jardim, as vozes que polvilhavam a minha vigorosa alma.

Aqui sentado revejo aquele menino de calções pelos joelhos, descobrindo em cada recanto daquela casa, o mundo imaginário que despertava a mente curiosa dessa minha infância...

Os beijos que troquei com aquela que seria a mulher da minha vida, nessa adolescência tão imberbe e ao mesmo tempo, tão repleta de memórias.

As primeiras certezas, nessa incerta vontade de crescer...

As primeiras tristezas, de um familiar a morrer e as inevitáveis facetas da vida humana.

Sentado neste cadeirão, recordo esses dias e noites, pincelando essa tela, misturando as aguarelas, nessa cor que acabaria por definir o rumo do meu destino...

Nesse quadro inacabado e em constante evolução, por essa estrada que se revelou, na mais bela viagem que algum dia vivi.

Agora aqui estou, sentado sozinho, no meio desta escuridão, apenas com a lareira acesa, as janelas fechadas, as cortinas descerradas e um copo de whisky gelado, aguardando o fim deste caminho...

Nesta casa vazia, despida dessa vida que um dia a preencheu, espero o reencontro com esse passado que apenas vive em mim e nestas paredes cansadas da minha velha casa.

E assim, sentado no cadeirão, que já pertenceu ao meu pai, ao meu avô, ao meu bisavô, aguardo a hora de serenamente partir...

Partindo por entre a última pincelada, colorindo esse quadro, por fim terminado...

Representando em cada traço nessa tela, em cada cor de aguarela, o meu colorido destino.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

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