19.06.20
De cada vez que olho para aquela criança perdida, com medo, seus medos, sinto que numa aguarela sentida se pincela a contradição Humana, esses receios que nos moldam, se agigantam e nos fazem caminhar por estradas diferentes.
Nesse rumo ziguezagueante, se somam as cicatrizes armazenadas na alma, aquelas secretas lágrimas que sobram, marcam, ficam...
Em silêncio, silenciosamente sussurradas nas noites frias em que a luz apagada anunciava monstros e urros, trevas e pânico.
O abrigo maior, esse abraço quieto e acolhedor, chegava, nem sempre antes do estremecer da alma, no entanto, retemperador e pacificador dessa inquietação maior.
Num olhar da janela da imberbe experiência, a correria que parecia calmaria, o serpentear de palavras e ideias confusas, complexas que amarravam a respiração, num entediante jogo de semáforos, onde se descrevia o correcto e o incorrecto.
Aprendizagens...
De cada vez que olho para aquela criança perdida, à espera do tempo, recordo o aprender constante, o moldar presente, num percorrer sem parar de uma construção imperiosa da personalidade.
Esconder medos, afastar fantasmas, tomar as rédeas de tanto sem que o tempo permitisse os tropeços num puzzle cristalino e irrequieto.
Será sempre assim?
Julgo que sim...
O medo de perder, desse perder que chega, daqueles que nos pertencem, dos que ainda não chegaram, dos que partindo se desapegaram de nós.
A criança perdida com medo de crescer, dessa pressa descrita num texto de um estimado amigo...
Olho para trás, em busca dessa criança, desse olhar pueril que outrora ambicionava querer, desejando não temer o que temendo, se guardava nas entranhas da esperança.
Olho tantas vezes para trás...
Os dias percorrem o seu destino, o nosso, nesse passo atrevido e vazio, nesse vazio a passo buscando o atrevimento solto de um tempo por resgatar.
São as palavras, nesse enredado pedaço de tela, que se atrevem a descodificar com tempero o piscar de olho, o suspiro profundo, o sorriso matreiro ou a despedida hesitante...
São elas, as palavras, que se atrevem a traduzir o que esconde o olhar, esse guardião da alma, esse bater literal do coração, esse regente secreto da memória.
De cada vez que olho para essa criança perdida, sinto as saudades de tudo, de tanto, daquilo que sonhei sonhar, das conversas e risadas pelas madrugadas, do nexo e reflexo por mais complexo que possa parecer.
Um dia...
Nas entrelinhas da memória, num encontro desconexo, talvez volte a encontrar essa criança, numa outra vida, pedaço solto de todos os pedaços de lembrança, num outro ambicionado destino.
Filipe Vaz Correia