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Caneca de Letras

10.08.19

 

Bater as asas...

Frase tão forte e definitiva, tão triste e afirmativa, tão libertadora e saudosista.

Nunca um momento terá a tamanha importância desse bater de asa que se tornará marcante, definitivamente marcante.

Nenhuma poesia ou prosa conseguirá pincelar, com precisão, cada curvilínea parte dessa tela, cada esboço entrelaçado desse instante, cada tremer existente nesse presente segundo.

Quando se bate a asa e se levanta voo, sobra a sensação de perda, desse deixar para trás, sem abandonar, desde partir deixando sempre um pouco de nós.

Mas esse mundo novo que nos espera, essa sensação do que por descobrir está, alimenta a imaginação, a independência que estando por construir seduz, nesse sonho que só a nós pertencerá.

Bater as asas e voar...

Como um pequeno pássaro arriscando saltar do ninho, sem olhar para trás, sem olhar para aquele local onde moram as certezas, as seguranças, enfim, esse passado presente que aconchega.

É nesse bater de asas que se constrói o futuro, esse horizonte carregado de desconhecidos momentos, duros e leves, preenchido de lágrimas e sorrisos, de amores e desamores, talvez dor e ardor.

Nesse futuro pincelado pela nossa mão, sem bússola ou co-piloto, morarão os capítulos dessa história por chegar e que chegando nos levarão ao infinito momento onde nos recordaremos do preciso instante em que, pela primeira vez, batemos as asas.

E aí...

Serão as saudades do ninho que irão valorizar cada bater dessas asas, das nossas asas, rumo ao infinito destino.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

22.06.19

 

O som do piano vai continuando a percorrer os corredores da casa, como se ainda nele tocassem, como se ainda a luz invadisse aquelas paredes, como se ainda aqueles cortinados fossem descerrados, como se ainda vida por ali existisse.

Nada mais do que o silêncio sobrevive ao tempo, àquele tempo que decorreu entre os radiosos anos que se extinguiram.

O som do piano, agora corcomido e velho, parece ganhar a batalha da eternidade, da solitária eternidade por entre aquelas bafientas paredes, onde só o pó parece reinar.

Nem mãe nem pai, muito menos avós ou amigos, filhos ou netos, jantares ou almoços, risos ou lágrimas...

Escuridão, arrebatadora escuridão, que se impõe esvoaçando entre o relógio de pé, parado nas horas, no tempo, sem asa ou momento, altivamente acompanhado pelos frescos no tecto, meio pálidos escondendo as vivas cores que outrora marcavam cada recanto daquele lugar.

Vidas e sonhos ali perdidos, desencontrados, naqueles cantos agora tristonhos, pouco risonhos, meio medonhos, como se aquele quadro não tivesse ali espaço, desabitado regaço de um destino.

Portas trancadas, janelas cerradas, palavras fechadas a todo o custo, encerradas a sete chaves nesse secreto lugar da memória...

Tudo ali tem história, secretamente entrelaçada em outra vida, talvez perdida, numa espécie de despedida eterna, sem fim.

O som do piano vai continuando a ecoar...

Ecoando como se nada mais tivesse importância, como se ainda os bailes ali tivessem lugar, como se ainda eu ali permanecesse.

O barulho das máquinas a chegar, o ruído da manhã a ecoar, as vozes de homens acelerando o epílogo de tantas noites e dias, pequenas melodias que prometiam não findar.

O piano calou-se...

As máquinas começaram a trabalhar e a cada instante insistentemente a derrubar cada parede de minha casa...

Naqueles escombros, por entre aqueles retratos se desvanece a minha empoeirada alma.

Já não toca o piano...

O meu piano deixou de tocar.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

29.11.18

 

Dias atrás, tinha eu acabado de fazer o jantar para os meus Sobrinhos Matilde e João, quando estes disparam uma ideia tão peregrina, como engraçada...

"O Arroz do Tio é tão bom como o do H3."

"E tio... Esse arroz é o melhor."

Claro que sorri e o meu coração se regozijou com os elogios destes dois, que sendo "meus", me enternecem.

"O Tio deveria ir ao Masterchef."

Acrescentavam por entre um conjunto de elogios.

Sentados à mesa, a minha querida Sobrinha Matilde, não se poupava às ideias...

Porque razão, o Tio não faz um texto no Caneca sobre este jantar e daqueles "seus" seguidores que comentarem, escolhemos um para ir jantar a casa do Tio, um dos seus fantásticos cozinhados.

Sorri...

Sorri imaginando a coisa e pensando como seria bom juntar, à volta de uma mesa, pessoas que desconheço, com algumas que fazem parte da minha vida, desde sempre.

Todas as desculpas servem para, por exemplo, uma boa feijoada.

Histórias partilhadas, gargalhadas, conversas, palavras...

A Desconhecida, a Ana, o Delfim Cardoso, o Triptofano, a Beia Folques, o P.P, a Gaivota Azul, o Anjinho, o Francisco Laranjeira, a Terminatora, o Robinson Kanes, a Tudo Mesmo...

Como seria bom.

E juntar o Jaime Bessa, o Miguel Pastor, a Verinha, a Daniela, o Lourenço, o Manel.

Tudo com a supervisão dos autores da ideia.

Bem...

Não passa de uma ideia.

Mas que seria uma belíssima ideia, isso seria.

Seria?

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

15.02.18

 

Do lado de fora de casa, tudo parece igual...

Tantos anos depois e tudo parece igual.

Apenas parece...

As persianas corridas, as mesmas persianas, o mesmo branco nas paredes do prédio, a mesma porta de ferro verde.

Do lado de fora de minha casa, que não me pertence mais, até aquele cheiro que insisto em recordar, parece querer se reencontrar comigo.

Mas nada está igual...

Nada mais será igual.

Aquelas janelas estão vazias de mim, dos meus, aquelas paredes que talvez ainda me reconheçam, têm agora outros olhares, outras vozes, outras vidas como companhia.

E eu ali parado...

Expectante por amarrar em mim, aquele instante em que penso voltar no tempo, para esse momento, para tantos e tantos momentos onde fui feliz.

Mais de 30 anos, por entre aquelas escadas de madeira, por entre o barulho constante dos eléctricos que à minha porta passavam.

As minhas primeiras interrogações ali surgiram e ali morreram, os primeiros medos ali nasceram e por lá ficaram, os primeiros sorrisos que ali me surpreenderam e ainda ali devem ecoar...

Naquelas paredes estão cravadas as minhas primeiras lágrimas e em lágrimas dali me despedi.

Ainda ali estou, apesar de não estar, ainda ali estão sonhos e desilusões, conversas e desesperos, abraços e beijos, perdidos eternamente...

Sempre eternamente, assim como eterna, é esta memória que me envolve.

Do lado de fora desta casa que sempre será a minha, parto, despedaçadamente infeliz, buscando nessas memórias, o contentamento que tantas vezes senti.

Pois ali nasci, cresci...

E ali sempre ficará parte de mim.

Até um dia.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

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