20.02.20
Em primeiro lugar agradecer ao Filipe Vaz Correia e à sua Caneca de Letras pelo amável convite e oportunidade para escrever num blog que tanto gosto. Ao receber o e-mail que me desafiava para este No Caneca Com, senti a impaciente dúvida do tema, assim como a incerteza de estar à altura do dito desafio. De repente recordei-me de uma história que me levou aos tempos de criança, nesses tempos soltos onde era permitido sonhar. Todos os dias à porta de minha casa, no Porto, passava a mesma velhota, carregada de tristezas e maleitas, sempre apanhando o seu autocarro naquela rua, à mesma hora, dias a fio. Semanas a fio, meses a fio, anos a fio. Um dia deixei de a ver, ou melhor, um dia notei que a tinha deixado de ver. Já não era uma criança, tinha me tornado um jovem, um homem, mas aquela pessoa havia resistido à indiferença do tempo, ao desconhecimento da vida, ao passar de tamanhos e desmedidos momentos. Não sei o seu nome, nem a sua história de vida, no entanto, aqui se encontra presente neste texto que vos escrevo. Por vezes, a aparente distância sobrevive ao caminhar arrepiante desse compassar alucinante dos tempos modernos, ao corrupio que atropela sentimentos e vontades. Por vezes dou por mim a imaginar aquela vida, aqueles dias e noites em que a encontrava, eu de mão dada com a minha mãe, "ela" solitariamente amarrada ao mesmo saco de plástico. Nunca cruzei o olhar com a dita senhora, nunca lhe ouvi a voz, nunca lhe roubei um sorriso.No entanto, prefiro acreditar que de certa forma também ela me via, também ela me reconhecia, também ela imaginava o que estaria por trás daquele menino. Assim, sem palavras, construída em silêncios deixo-vos um retrato de alguém que sendo para mim estranha, se tornou numa das memórias mais vivas de um tempo que não regressa.Para a dita velhota... Deixo aqui um abraço, um carinho, tardio mas sentido, cumprindo na folha em branco o desejo que outrora não fui capaz de cumprir. Obrigado Filipe por estas linhas numa casa, Caneca, que aprendi a sentir como minha.