18.09.19
O mundo visto a cores ou as cores que se transformam em preto, branco, nada...
Estava a tomar o pequeno almoço, tardio, quando chegou um grupo de três meninas e um cão.
Olhei enquanto escrevia uma ou outra palavra, num texto que acabaria por apagar...
E ali, num segundo, o meu maior medo, não sei se maior mas um dos mais antigos, se dispunha diante do meu olhar, num quadro transparente de um vazio assustador.
A cegueira!
Uma daquelas meninas, jovem senhora para ser exacto, era invisual, completamente amarrada a esse mundo que parecia não lhe toldar o caminho, impossibilitar o destino, prender o passar do tempo que lhe pertence.
Não consegui deixar de estar atento aos pormenores, numa espécie de atracção pelo absoluto medo que desde criança sempre me perseguiu.
O cão, um labrador preto, ali estava, deitado a seus pés, impecavelmente comportado, parecendo saber, antecipadamente, cada movimento...
O pé que balançava, a mão que amiúde o acarinhava ou até o preciso instante em que lhe dariam o tiro de partida.
Olhei para ela com esse misto de admiração e receio, admirando cada pedaço de normalidade traduzida em seu rosto, plasmada em cada palavra por si trauteada e ao mesmo tempo esse receio pelo medo que sempre senti...
Existe uma coragem naqueles gestos, uma ternura na extensão de um olhar amarrado àquele animal que se transforma no porto seguro do destino de alguém.
Não pude deixar de olhar, de sentir, de escrever...
Escrever sem parar, retratando aquele ardor triste, aquele corajoso cenário de uma beleza sem fim.
Neste entrelaçar que une aquelas duas vidas, Cão e Menina, resiste a mais bela conjugação de cores, desenhadas na imaginativa imaginação de um conto...
De uma vida.
Levantaram-se e partiram, de “mãos” dadas, enquanto o meu olhar os acompanhava nesse rumo infinito pelo Campo Pequeno, num quadro tão intenso como a imensidão desse mundo que só a eles pertencerá.
Tantas cores e sonhos que desconhecemos conhecer...
Filipe Vaz Correia