Sentimento que busco no fundo de minha alma para descrever o que esta palavra me traz, o que resgata em mim.
Perdi, fisicamente a minha Mãe há 10 anos, num dia frio de inverno, no dia que marcou a chegada desse inferno.
Se por alguma razão tivesse que descrever a minha Mãe em uma palavra, essa seria certamente...
Incondicional.
Tão simples e singela escolha, sem hesitações ou timidez, somente esse amor tão desmesurado que sobra dentro de mim, que pulsa misturado com as saudades que não calam, se libertam, ofuscam a tristeza maior que subsiste em cada poro do meu corpo.
Amor...
Se fosse buscar a essência desta palavra, e para a descrever tivesse de encontrar uma imagem, seria a da tua mão ao encontro da minha, entrelaçando os dedos, apertando forte, tão forte como esse querer que ainda me faz chorar ao escrever, sorrir ao recordar, amar...
Amar...
Amar-te.
Mais do que nunca te agradeço por tudo, por esse tudo que me parece imenso, eterno, nosso.
Para os dias que correm, talvez esse teu amor fosse criticado, pelo incondicionalismo que sempre esteve presente, essa ligação que me fez voar através dos teus olhos, esse conforto maior que sempre buscaste para mim, essa palavra certa que me fazia sentir a pessoa mais importante do mundo.
Uns dirão mimo...
Eu direi amor, o teu amor que me construiu e me fez forte, determinadamente acreditando nessa certa, certeza, guardada nos teus poemas, na minha escrita esculpida nestas linhas carregadas de carinho.
Sabia que mesmo que o mundo estivesse ali do outro lado, contra mim, estarias a meu lado, sem questionar, de olhar meigo e confiante, enfrentando tudo e todos, à minha frente, por mim, sempre por mim...
Essa foi a diferença Mãe.
Esse foi o sentir maior que alguma vez invadiu minha alma, incondicionalmente.
Mesmo nesse fim, mesmo nos últimos instantes, as tuas palavras foram para me proteger, à tua maneira, ali firme, despedindo-te da vida e ao mesmo tempo tentando que esse jovem, homem, sofresse menos...
Mas como seria isso possível?
Nunca esquecerei...
Nada esquecerei.
Cazuza escreveu um dia:
"Quem não recebe o amor de Mãe fica "aleijado" para sempre..."
Palavra crua, dura e sentida, meio perdida, inebriada, que reflecte o sentir pulsante do que ficou por viver ou sendo vivido se perdeu, esboroou, na penumbra do passar dos dias.
Não posso voltar atrás, não o posso fazer, nem reescrever cada pedaço de beijo entrelaçado, cada abraço embaraçado, cada olhar calado incapaz de soletrar esse amor esmagado por tanto, por tão pouco, por gigantes passos de outros...
Mesmo assim, escrevo silenciosamente as linhas mal escritas de um texto desgarrado, desgarradamente gritando à poesia a solidão de um destino desejado, emocionado, envergonhado, nebulosamente guardado nas melodias da velha canção.
Amar-te, sem reticências, foi mais do que um conto a meio da noite, um poema à beira-mar, uma bebedeira que surgiu na esquina de um sonho...
Amar-te é a palavra maior de um redesenhado desenho, um pincelar singelo, por entre, a solidão dessa imensa pintura no meio da multidão.
Tantas pessoas, tantos passos, tamanhas as palavras libertas no querer, nesse querer que se cala, esconde...
Mas sei que num recôndito lugar, distante, no horizonte de tantas vidas, ele sobreviverá, existirá sempre, longe de todos, perto de nós, mesmo que esse nós seja longínquamente difícil de decifrar.
Faz hoje, dia 1º de maio, 26 anos que morreu Ayrton de Senna...
Ayrton de Senna do BRASIL, era assim que gritava ao microfone da Globo o intemporal comentador Galvão Bueno, nesse misto de samba e emoção, de golo e meta, que de forma transcendente ligava Senna ao Automobilismo, ao Desporto, à sua Nação.
Senna não era do Brasil, era do mundo, por aqueles anos, talvez fosse mesmo o mundo para a grande maioria dos admiradores de Fórmula 1.
Nunca fiz parte desse rol, antes pelo contrário...
Eu era anti-Senna, sempre fui, desde os tempos em que corria no seu Lótus preto, debaixo de chuva nas curvas do Estoril, vencendo ali a sua primeira corrida no escalão maior do Automobilismo.
Recordo-me dessa corrida, a que assisti em casa de uns amigos de meus Pais, Senna vencia para alegria de Adriano Cerqueira e Domingos Piedade.
Desde esses tempos, sempre estive do outro lado...
Em primeiro lugar porque "adorava" Nelson Piquet e em segundo lugar porque aprendi a gostar daquele menino que revolucionaria a Fórmula 1 e se atreveria a enfrentar tudo e todos...
Michael Schumacher!
Nesse ano de 1994, que marca também o primeiro titulo mundial de Schumy, a Fórmula 1 e o mundo do desporto viveriam um dos seus momentos mais trágicos, essa partida e morte de um dos seus maiores.
Nessa corrida em Imola, que me recordo perfeitamente, Ayrton de Senna tentava reduzir o atraso que levava, no campeonato, para Schumacher, tentando assim resgatar essa posição de favorito que lhe era apontada, não só pelo seu talento absolutamente extraordinário mas também pelo facto de a Williams ser a mais poderosa "Scuderia" da época.
Nesse dia, quando observei o despiste de Senna, festejei, sorri e pensei:
- Vamos! - Força Schumy!
Mas rapidamente me sentei, silenciei aquela rivalidade trivial que apimenta o desporto e temi, temendo que algo mais sério pudesse estar para acontecer.
Não era difícil imaginar o pior quando na véspera havia morrido Roland Ratzenberger.
Fui para a sala onde o meu Pai via na televisão a mesma cena, o meu Pai adorava Ayrton de Senna, olhei para o seu rosto, o seu olhar fixo na televisão, aquele invisível arrepio na espinha.
No meio dos escombros Senna mexeu a cabeça, um pequeno esgar que, por um momento, me deu a certeza de que estava tudo bem...
Mas não.
Talvez aquele momento tenha sido o princípio desse anunciado fim, o suspirar da alma desbravando os últimos instantes desta vida terrena.
Senna morreu, partiu há 26 anos, deixando um rasto de tristeza no mundo inteiro, um silêncio calado, profundo, imenso.
Recordo-me de estar no colégio e todos, mesmo todos, seguirmos a chegada do corpo de Senna ao Rio de Janeiro, o seu percurso pelas ruas, a tristeza das gentes, a voz embargada de uma Nação.
Passaram 26 anos, tempos diferentes dos dias de hoje, onde já nem vejo Fórmula 1, um desporto onde os pilotos e o seu talento passaram a ser acessório.
Desde Schumacher que o meu interesse foi esboroando, desaparecendo.
Ayrton de Senna do Brasil como gritava Galvão Bueno partiu há muito tempo, num outro século, numa outra existência, sem YouTube ou Instagram, sem Twitter ou Facebook mas isso não o impediu de ser eterno, de ter marcado uma geração, uma Nação, tantos e tantos que por esse mundo a fora choraram, calaram, sem idades ou cores, credos ou pensamentos políticos.
Foi assim Ayrton de Senna, tão eterno como permite a memória Humana, passando de geração em geração como só os maiores de "Nós" ousaram conseguir.